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Rio Grande,18/10/2024

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Samuel Ferreira

Custódio, o Príncipe Negro de Porto Alegre

Mito? História? Ancestralidade? Memória? A trajetória de Custódio Joaquim de Almeida (1832? - 1935)

Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul
Custódio, o Príncipe Negro de Porto Alegre

Mito? História? Ancestralidade? Memória? A trajetória de Custódio Joaquim de Almeida (1832? - 1935), ou Osuanlele Okizi Erupê (seu nome em Benin), está repleta de narrativas, rupturas, subterfúgios, contradições, incertezas e conflitos. Esses descaminhos, são dignos de um sujeito que não cabe em um “rótulo”, que está para além de seu tempo e que atingiu prestígio e conquistou a atenção do povo, mas principalmente, da elite política de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul.  

Conselheiro político? Curandeiro da elite? Príncipe? Turfe ou criador de cavalos? Comerciante?  Muitas são as versões dessa personagem que se movimentava entre o povo e a elite, e que se configurou como uma poderosa e firme liderança religiosa no Rio Grande do Sul. Custódio, que para alguns era um príncipe e para outros um “Pai de Santo “, impressionou a muitos e deixou uma marca poderosa na sociedade gaúcha, tanto na capital quanto no interior. 

Por causa do das intervenções políticas imperialistas britânicas, Custódio buscou exílio no Brasil. Sabemos que Custódio (ou Osuanlele), era descendente de um Agudá, um africano do Benin que foi escravizado no Brasil, e após ter conquistado a sua liberdade, retorna para o continente africano. Custódio, ao que se observa, era um dos seus filhos. O então “Príncipe”, em 1898 entra em território brasileiro pelo estado da Bahia, fazendo o movimento contrário de seu pai, ficando temporariamente por lá. Passa um período no Rio de Janeiro. Após esse período nas grandes capitais brasileiras, desembarca em Rio Grande.  Transita e reside por Rio Grande, Pelotas e Bagé até fixar residência, definitivamente, em Porto Alegre. 

Pesquisadores da UFRGS, descobriram registros junto ao arquivo público do RS, de um conflito entre um africano do Benin chamado Custódio e um português dentro de um bar em Porto Alegre. No “B.O.” da época, relata que o português fica indignado de ver um africano frequentar o mesmo espaço comercial que ele e insulta Custódio. O Príncipe em resposta, se defende ao afirmar que é um homem livre e bate no português com uma espécie de chicote. 

As memórias e relatos orais, também dão conta que Custódio, foi próximo de Júlio de Castilhos,  presidente do estado do Rio Grande do Sul na época, e também do político Borges de Medeiros. Ambos se aconselhavam e pediam orientações ao príncipe Custódio através do Ifá (jogo de búzios). Alguns relatos demonstram a procura de políticos e de outros personagens da elite porto-alegrense, para que Custódio pudesse curá-los de enfermidades, ou somente na busca de amparo ou proteção espiritual.  

Pela presença na memória social da sociedade gaúcha, sabemos que Custódio foi uma figura importantíssima para a política e para o desenvolvimento do Batuque, religião que surge e que se localiza principalmente no Rio Grande do Sul, com influências de várias nações africanas como a Nagô, Cabinda, Ijexá, Jêjê e Oyó. A oralidade do povo do batuque e das nações, afirmam que o Príncipe Custódio foi responsável pelo Assentamento do Bará, no Mercado Público de Porto Alegre, e por outros assentamentos pela capital porto-alegrense, como um suposto assentamento dentro do Palácio Piratini.  

Mesmo sendo um homem negro de origem africana, dentro de uma sociedade extremamente racista e baseada em uma estrutura escravagista e colonial, Custódio foi imprescindível em seu tempo, alcançando notoriedade e com todas as limitações sociais, culturais, políticas e econômicas da época, se caracterizou por certa fidalguia, imponência e protagonismo. Não sendo à toa sua importância política e religiosa, e mesmo que não fosse Príncipe, sua atuação e presença era e é grandiosa. 

Sabemos que o racismo é fundamental para o apagamento da história e da memória de pessoas negras, principalmente quando falamos de um homem preto, de origem africana e que ascendeu social e economicamente em Porto Alegre, no início do século XX. Apagar a história e a memória de pessoas ou povos, é apagar a humanidade. Portanto, se faltam registros históricos, documentações, fotografias ou outras fontes historiográficas, sobram registros da oralidade, da memória social e principalmente da ancestralidade, que compreendem na pessoa do príncipe Custódio, uma referência (entre muitas) resistente e muito poderosa no viés da representatividade da população negra e na cultura de Matriz Africana. 


Samuel Ferreira (Samuka) 

Historiador, Escritor e Podcaster



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