Ique de la Rocha

Hoje temos visto, ao menos no Brasil, alguns religiosos que a gente chega a duvidar que sejam realmente cristãos, como gostam de apregoar, usando a Bíblia para justificar o que lhes interessa. Por exemplo, evocam o Velho Testamento para dizer que os fiéis tem a obrigação de dar o dízimo (sendo que o dízimo da Bíblia era dado em alimentos e não em dinheiro, dizem os mais entendidos). Curioso que Jesus veio há mais de dois mil anos, não pediu dinheiro para ninguém, numa época em que não havia Comunicação, e sua obra se encontra viva até hoje. A Umbanda e o Espiritismo, de Allan Kardec, existem há mais de 100 anos, também não pedem dinheiro para ninguém e, igualmente, estão vivos até hoje. Ao mesmo tempo, lemos no Velho Testamento a obrigatoriedade do dízimo, enquanto o Novo Testamento, que é o Evangelho do Cristo, narra que Jesus expulsou os vendilhões do templo condenando, assim, os que faziam comércio em nome de Deus.   

Esses mesmos religiosos dos tempos atuais do nosso Brasil usam a Bíblia com uma interpretação distorcida e estão sendo os principais responsáveis por discursos de ódio contra minorias, homossexuais e até mesmo quem pensa diferente deles politicamente. Sem falar que costumam difamar a Umbanda e o Espiritismo, dizendo tratar-se de religiões do diabo, quando são exatamente o contrário. A verdadeira Umbanda só pratica o bem e o Espiritismo tem em sua parte doutrinária e moral o Evangelho do Cristo, como os leitores poderão constatar no tópico seguinte. Antes de criticarmos, precisamos conhecer o que criticamos. Quem tiver interesse que visite uma casa dessas duas religiões. Para começar, não vão pagar nada e certamente vão sair melhor do que chegaram.

Temos visto que alguns tentam justificar esse ódio contra gays e aos que não pensam politicamente como eles com a Bíblia, o que para muitos lembra até uma Guerra Santa. É preciso deixar claro que o Velho Testamento trazia a imagem de um Deus furioso, vingativo, inclemente, que era uma linguagem apropriada à rudeza das pessoas naquela época. Jesus veio depois com uma linguagem e uma pregação toda amorosa, falando na bondade de Deus, que a salvação está na prática do amor e da caridade. Ao invés do olho por olho, dente por dente, ele dizia que se alguém vos bate numa face, dá-lhe também a outra e que é para retribuirmos o mal com o bem. Quando lhe indagaram sobre qual o maior mandamento, Jesus respondeu: “Ama a Deus sobre todas as coisas e o próximo como a ti mesmo”. Ou seja, amar a todos indistintamente. Se ele pretendesse dizer para amarmos só as pessoas boas ou as que queremos bem, ele teria deixado isso claro, mas disse “ama ao próximo como a ti mesmo”. O próximo da frase engloba todo mundo. Tanto que tem uma passagem no Evangelho, que publicamos a seguir, onde ele diz: “se não amais senão aqueles que vos amam, que recompensa com isso tereis? Os publicanos não o fazem também? E se vós não saudardes senão vossos irmãos, que fazeis nisso mais que os outros?”.

Jesus derrubou todos os preconceitos. O que vale nas pessoas é o coração delas e a pessoa de bem não tem que julgar ninguém. O próprio Cristo disse: “Quem não tiver pecado que atire a primeira pedra”. Não tem outra interpretação. Fora disso é fanatismo e estamos a quase todo o dia vendo o que o fanatismo religioso faz de mal para o mundo.

Caracteres da perfeição

Este é o sub-título de um capítulo (XVII) do livro “O Evangelho segundo o Espiritismo”, de Allan Kardec. Primeiro, o Codificador da doutrina espírita destaca um trecho do Evangelho:

Amai os vossos inimigos; fazei o bem àqueles que vos odeiam e orai por aqueles que vos perseguem e  que vos caluniam; porque se não amais senão aqueles que vos amam, que recompensa com isso tereis? Os publicanos não o fazem também? E se vós não saudardes senão vossos irmãos, que fazeis nisso mais que os outros? Os Pagãos não o fazem também? Sede pois, vós outros, perfeitos, como vosso Pai celestial é perfeito (São Mateus, cap. V, v. 44, 45, 47 e 48).

Agora o comentário de Allan Kardec: “Uma vez que Deus possui a perfeição infinita em todas as coisas, esta máxima: “Sede perfeitos como vosso Pai Celestial é perfeito”, tomada ao pé da letra, pressuporia a possibilidade de se atingir a perfeição absoluta. Se fosse dado à criatura ser tão perfeita quanto o Criador, ela tornar-se-lhe-ia igual, o que é inadmissível. Mas os homens aos quais Jesus  se dirigia não teriam compreendido essa nuança; ele se limitou a lhes apresentar um modelo e lhes disse para se esforçarem por alcançá-lo.

É preciso, pois, entender, por essas palavras, a perfeição relativa, aquela da qual a humanidade é suscetível e que mais a aproxima da Divindade. Em que consiste essa perfeição? Jesus o disse: “amar os inimigos, fazer o bem àqueles que nos odeiam, orar por aqueles que nos perseguem”. Ele mostra, assim, que a essência da perfeição é a caridade em sua mais larga acepção, porque ela implica a prática de todas as outras virtudes.

Com efeito, observando-se os resultados de todos os vícios, e mesmo dos simples defeitos, se reconhecerá que não há nenhum que não altere, mais ou menos, o sentimento da caridade, pois todos têm seu princípio no egoísmo e no orgulho, que são a sua negação; porque tudo o que superexcita o sentimento da personalidade, destrói, ou pelo menos enfraquece, os elementos da verdadeira caridade, que são: a benevolência, a indulgência, a abnegação e o devotamento. O amor ao próximo, levado até ao amor dos inimigos, não podendo se aliar com nenhum defeito contrário à caridade é,  por isso mesmo, sempre o indício de maior ou menor superioridade moral; de onde resulta que o grau de perfeição está na razão direta da extensão desse amor. Por isso, Jesus, depois de ter dado aos seus discípulos as regras da caridade naquilo que ela tem de mais sublime, lhes disse: “Sede, pois, perfeitos como vosso Pai Celestial é perfeito”.

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