Samuel Ferreira
Dias Perfeitos: a felicidade é uma decisão?
Win Wenders em “Dias Perfeitos” (2023) nos faz quase que íntimos de Hiaryama (Koji Yakusho), ao demonstrar a sua rotina como limpador de banheiros em Tóquio, que mesmo sendo quase demonstrada como uma das capitais mundiais mais tecnológica, veloz e agitada, consegue ser desnudada por suas repetições diárias e através das sombras e silhuetas fotografadas pelo faxineiro.
“Dias Perfeitos” parece, em uma primeira mirada, uma ode aos condicionamentos que o neoliberalismo realiza com boa parte da população mundial. Pelo fato de percebermos a vida como um ritual, Hirayama e sua vida recheada de pequenos livros, café enlatado de máquina, plantas que bebem água de um borrifador em um quarto-estufa e os banhos realizados em lugares públicos, nos remetem a esse movimento da vida contemporânea quase que com passado e de dentro de uma redoma.
Para aquelas pessoas que sempre esperam uma mensagem profunda ao final de determinando filme ou livro, podem se decepcionar um pouco com o longa de Wenders: a mensagem a ser passada neste filme é a própria narrativa. Por mais que essa mesma narrativa seja “analógica” (me refiro aos livros, fitas cassete e bicicletas), está recheada de “tecnologias sofisticadas”, cabe ao interlocutor estar aberto para a narrativa. Mas que “tecnologias sofisticadas” são essas?
Certamente que o trabalho, por mais que possa trazer dignidade social para os sujeitos de da sociedade, ele também impõe certas indignidades para os sujeitos. É uma espada de dois gumes. Hirayama é sensível, respeitoso, pensador e ético, mas nem por isso a vida e o sistema em que vive lhe impediu de limpar banheiros e lidar com todas indignidade que essa atividade acarreta.
Tóquio (aqui poderia ser qualquer capital mundial), possui banheiros sofisticados, digitais e tecnológicos, mas eles ainda precisam higienizados por alguém. Hirayama é essa estranha contradição de um sujeito humano que produz humanização, afeto, zelo e reflexão em meio as desigualdades da nossa sociedade.
A observação é central no enredo, pois mesmo que Hirayama esteja em hiperfoco para escovar os vasos sanitários, maçanetas e espelhos, ele está desperto para tudo o que está acontecendo ao seu redor. Ele não está distraído. E essa, na minha opinião, é a tecnologia mais sofisticada dessa obra-prima: não estar distraído. Pois mesmo em meio a uma cultura que nos coloca em incessante conexão digital, ansiedade e anestesia de informação, como encontrar estesia? Como conseguir vir à tona? Como estar atento para nossa realidade? Essas são algumas das questões mais importantes da atualidade.
Samuel Ferreira.
Contato: samukacrissandro@gmail.com ou 053 99948-5895.
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